"Para vingarem um assassinato cometido por um brasileiro, os assustadores maroons promoveram uma onda de saques, estupros e espancamentos
O surinamês Wilson Apensa sempre foi um encrenqueiro. Na véspera do Natal, arrumou três brigas em Albina, cidade que fica a 150 quilômetros da capital, Paramaribo. Acostumado à violência (colecionava passagens pela polícia por furto, assalto e lesão corporal), saiu-se vitorioso de todas as contendas. Por volta das 20 horas, Apensa iniciou o quarto tumulto. Aparentando estar drogado, entrou na churrasca-ria Espetinho, onde um grupo de garimpeiros brasileiros estava reunido. Aproximou-se de um deles, agarrou-o pela camisa e deu-lhe um soco no rosto. O agredido, identificado como Adil-son Oliveira, reagiu. Puxou uma faca que trazia na cintura e cravou-a no coração do surinamês. Em seguida, fugiu. A morte de Apen-sa, pertencente ao grupo étni-co dos maroons (descendentes de escravos afri-canos), causou uma correria no vilarejo. Comerciantes fecharam seus estabelecimentos e os garimpeiros se refugiaram no hotel onde estavam hospedados. Todos sabiam do risco de retaliação por causa do comportamento tribal dos integrantes da etnia à qual Apensa pertencia.
Conhecidos no país por seu primitivismo, os maroons costumam vingar a morte de membros do grupo com uma reação descomunal. Pelo menos 300 deles, armados com porretes, facões, machados e pedras, tomaram as ruas de Albina. Supermercados foram saqueados e o hotel onde estavam os brasileiros foi invadido. Os hóspedes foram espancados e as dependências, incendiadas. Um posto de combustíveis ficou em cinzas e seis automóveis e um caminhão foram consumidos pelas chamas. Mais de uma centena de brasileiros foi atacada. Alguns apanharam de porrete, muitos foram apedrejados. Os maroons não pouparam nem as mulheres. Uma delas, grávida, perdeu o bebê depois de ter a barriga perfurada por um facão. Outras dezenove afirmam ter sido estupradas pela turba enfurecida. Dois casos foram confirmados pela polícia local. Os demais estão sob investigação.
A maranhense E., de 34 anos, estava nesse grupo. Ela relatou a VEJA o terror que viveu: "São uns animais. Deram tapas no meu rosto, arrancaram minha roupa, me beijaram à força e morderam meus seios". Ela estava no hotel invadido pelos maroons. Ao ouvir a gritaria do lado fora, E. trancou-se em seu quarto, mas, quando percebeu que haviam ateado fogo ao prédio, passou a gritar por ajuda. Os maroons a ouviram e arrombaram a porta. Ela foi violada e atirada nua para fora do prédio. A selvageria se estendeu pela madrugada e deixou um saldo oficial de 25 feridos graves - um deles ainda corre o risco de ter o braço amputado. "Só não morri porque me joguei no rio no meio da noite e nadei até sair da cidade", conta o paraense Reginaldo Serra, um garimpeiro de 30 anos. Hoje, há 18 000 brasileiros vivendo no Suriname. São, basicamente, prostitutas e garimpeiros que tentam a sorte em lavras de ouro mais produtivas que as existentes do lado de cá da fronteira. Depois da selvageria em Albina, a FAB mobilizou-se para retirar os brasileiros que querem sair do Suriname.
Os maroons formam o terceiro grupo étnico mais numeroso daquele país - só perdem para os imigrantes indianos e javaneses. Eles descendem de escravos negros que nos séculos XVII e XVIII fugiram de fazendas na região litorânea e se refugiaram nas florestas do interior. Ali retomaram aspectos da cultura africana e passaram a viver como seminômades e coletores. Como o interior não era habitado, tornaram-se senhores das florestas. Hoje, os maroons controlam 80% do território do país. Por terem se organizado à margem do estado surinamês, recusam-se a obedecer às leis nacionais. Alimentam a ideia de que são donos da terra desbravada por seus ancestrais e usam a força bruta para rechaçar aqueles que julgam invasores. "Essa gente vive como há 200 anos", diz o delegado brasileiro José Roberto da Hora, adido da Polícia Federal na embaixada brasileira em Paramaribo. Nas estradas sob seu domínio, eles cobram pedágio de 50 dólares por carro que passa. Os principais alvos são os garimpeiros brasileiros.
O comportamento bizarro dos maroons faz parte do quadro de completo desgoverno que assola o Suriname. O país foi o último do continente a se tornar independente, há apenas 34 anos, e, ainda assim, a contragosto. Os surinameses não queriam romper os laços com a antiga metrópole, a Holanda. Para convecê-los da própria independência, o país ofereceu um acordo comercial vantajoso. Eles pediram, e levaram, livre acesso ao porto de Roterdã, o maior da Europa. As mercadorias que saem do Suriname, ou as que são enviadas para lá, não podem ser vistoriadas pelas autoridades holandesas. Com isso, o país tornou-se um paraíso do crime organizado. Contrabandistas e narcotraficantes utilizam a conexão Paramaribo-Roterdã em escala industrial, como VEJA mostrou em janeiro de 2007 na reportagem "O Paraguai do norte". Para completar o quadro, 10% do território surinamês, o Triângulo New River, está sob litígio internacional (é reivindicado pela Guiana). Um acordo foi feito entre os dois países e nenhum deles pode policiar a zona. É uma terra entregue à própria sorte. Segundo a Polícia Federal brasileira, a área está infestada de gângsteres russos e chineses. Além disso, guerrilheiros colombianos das Farc vão até lá para trocar cocaína por munição vinda da Líbia. Esse triângulo barra-pesada faz fronteira com o Brasil, mas felizmente é isolado por uma cadeia de montanhas conhecida como Serra do Tumucumaque. Comparadas ao Suriname, enfim, as favelas cariocas são seguras como Zurique."
A particularidade de tudo isso, é perguntar: o que esses brasileiros ilegais estão fazendo no Suriname? Nada justifica a violência mas...
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